quinta-feira, 4 de junho de 2020

O mundo confuso e brilhante da cidade de Paris

    Em minha ávida luta para aprender um novo idioma durante este isolamento, e decidindo assistir um filme francês por dia para ajudar nesta jornada, me deparei com o filme "Paris Est à Nous" (ao pé da letra, podendo ser traduzido como "Paris é Nossa"), ou "Netflixamente" falando, intitulado "Pelas Ruas de Paris", conta a história de Anna, uma jovem sem ocupação que vive "às custas" de seu namorado Greg, e este fato é, na maioria das vezes, o estopim para as discussões entre o casal; em paralelo a isso, a cidade está fervendo em protestos (que logo irei interpretar como uma possível metáfora). O conflito gerador leva Anna à uma série de questionamentos sobre seu interno e externo, em como cada momento pode ser, nada menos que um The Sims, e estarmos agindo conforme a vontade de algo Maior. Este longa pode nos remeter tranquilamente, ao diretor Darren Aronofsky, entretanto com uma pitada maior de "fantasia". 
    Apesar de na época em que o filme foi lançado, terem acontecido diversos protestos em Paris, acho que o diretor também queria nos dar uma ideia de que isto fosse algo metafórico, para tornar tangível a angústia crescente da protagonista, podendo isto ser captado nos momentos em que Anna corre pela rua entre a multidão, enquanto barulhos de tiros e bombas dão uma certa tensão, nos deixando com ar de atentos, podendo explodir uma guerra civil a qualquer momento (à esta altura, dá-se a entender que o casal protagonista não está mais junto, e a última cena de Greg em meio a multidão sozinho é bastante simbólica, pois pode significar que o mesmo acabou por se tornar apenas mais um entre as epifanias de Anna [esta ideia pode ser confirmada na capa promocional do filme, com a moça olhando para o horizonte e uma silhueta de ambos juntos, dentro dela], apenas mais um de seus pensamentos externalizados, que ela deixou para trás depois de tanta cobrança e tortura mental por parte dele); junto a isto, mais para a metade (mais ou menos no minuto 50:00), sua crise existencial se torna mais forte e envolvente, diante das coisas que passou até aquele momento, se rendendo ao existencialismo junto com niilismo, nos dando um prato cheio de indagações sobre a vida. Já no apogeu de sua (quase) loucura mental, a garota decide ir para um cemitério (podendo nos remeter que talvez ela tenha se matado, mas em sentido figurado?), e lá conhece um homem que praticamente abraça a personagem principal apenas com suas palavras, pois ele alega que sua vida nunca mais fora a mesma após a morte da filha, apesar dele estar no alto da cela, com o sol em seus olhos, que neste contexto "cela" pode ter sido a depressão que ele viveu, e o sol a iluminação para não cair na depressão profunda; então mesmo que ele estivesse mais perto do sol, sua vida não é mais a mesma, semelhante ao que Anna passou, até suas roupas mudaram do preto (depressão) para o branco (catarse, purificação, calma). E nos últimos segundos da obra, são mostradas algumas ruas da cidade desertas, podendo nos remeter (mais uma vez) ao fato de que Anna morreu, e suas agonias e pensamentos furam juntos, nos dando uma lição de que certas tragédias na vida, sejam elas dentro ou fora de nós, jamais terão respostas absolutas, e se não aprendermos a viver com isso, nossas ruas de Paris podem se tornar, assim também desertas... 
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domingo, 5 de abril de 2020

A ponte invisível do preto ao branco

    Na época em que a teoria eugenista estava em seu auge na nossa sociedade (mais precisamente na década de 20), uma obra chamada "A Redenção de Cam" foi criada por Modesto Brocos com o intuito de escancarar esta realidade a qual o Brasil estava sendo vitimizado. Esta é uma de suas obras mais famosas, que consegue retratar tal realidade com maestria.

    O nome da pintura em si já é bastante simbólica, pois remete a uma passagem escrita na bíblia, em que Cam amaldiçoa o próprio filho, quando o mesmo zomba dele por estar pelado. A coisa fica mais simbólica, se levarmos em conta o contexto de difusão deste mito, que se foi dado no início da Era Moderna, quando a cristandade neste tempo, procuravam formas de justificar a escravidão acometida no continente africano. Poderíamos então considerar que esta teoria que certos pastores e filha de um dono de canal televisivo, já defenderam cegamente.
   
Esteticamente, o quadro é carregado de simbolismos; e deixando de lado um momento, o embranquecimento tão desejado pela elite naquele tempo (e até mesmo por algumas, ainda na contemporaneidade), podemos dizer que a mãe preta agradece aos Céus, pelo fato de seu neto ter nascido branco (mentalidade de diversas mães pretas da época); e sua filha mestiça, com o sinal da mão simbolicamente religioso, junto ao filho branco (podendo remeter a figura do menino Jesus?). Porém uma questão que eu estava ansioso para levantar em algum post aqui no site, era: Será que devemos SEMPRE atrelar processos de mestiçagem, a Eugenia ou quaisquer outras coisas negativas? A resposta é simples: NÃO!
Para entendermos melhor, não é preciso ser tão acadêmico, somente ter uma visão mais ampliada e profunda de certas coisas; exemplo, eu como filho de mãe branca (também mestiça) e pai negro, não acho que impunham a ele, de ter um filho com minha mãe, eles simplesmente tiveram um momento de amor, e me tiveram (tenho certeza que você conhece casais interraciais que vivem em harmonia). Diferente da época na qual estamos discutindo; por isso, de outro lado, acho esta pintura um tanto quanto problemática (dependendo do ponto de vista que você enxerga a mesma), pois no momento que o pintor está criticando a Eugenia somente com uma pintura, muitas pessoas podem achar que ele está criticando a missigenação em si, visto que a arte é subjetiva, sendo assim cada um tem seu ponto de vista, entretanto neste caso é INEVITÁVEL compreendermos o propósito e a subjetividade de Brocos, primeiramente!
Outra obra que devemos levar em conta para tentarmos separar a missigenação "livre e expontânea" da eugênista, é o livro "Nem Preto Nem Branco, Muito Pelo Contrário" em que conta o processo de mestiçagem com seu início na época da colonização, até os dias atuais, e explicitando que nunca deixamos de lado a ideia de que "quanto mais claro, melhor" (ao mesmo tempo que muitas pessoas enaltecem nossa cultura tão misturada e diversa. Contraditório, não!?)
Resumindo: subjetivamente, acho que devemos exaltar sim nosso país tão vasto, seja em cultura ou em cores, mas temos que construir um muro, separando esta realidade daquela que vimos no início do século XX, em solo "Europeicamente Tupi".
 

sábado, 21 de março de 2020

Corona só expôs o que já vivíamos

   
Quem curte questões políticas e "mora" no Youtube, deve conhecer Jana Viscardi, uma youtuber e formadora de opinião, que usa de notícias atuais e normas da língua portuguesa (incluindo interpretação detexto, gêneros textuais...), atrelando ambas como base para maioria de seus vídeos na plataforma.
    Em seu mais recente vídeo, ela fala sobre um post da influencer Gabriela Pugliesi, em que a mesma propagou, em que fala sobre a problemática do Coronavírus, a faz com uma visão romantizada sobre o momento em que vivemos, visão esta que pode ser um problema por possuir um ponto de vista simplório, ingênuo e até mesmo utópico.

Segue o post que foi apagado momentos depois de postado, ao ver que o mesmo foi alvo de opiniões críticas:

Infelizmente não é só Gabriela que pensa assim. Vemos tantas pessoas pensarem da mesma forma, em sua maioria as de classe média.
Vejo este texto, e sou tomado por diversas perguntas, primeira: colocou quem no lugar?
Segunda: será que o trabalho deixou de ser prioritário para ABSOLUTAMENTE todo mundo? Ambulantes e outras pessoas que dependem da rua para terem seu dinheiro, estão aflitos e não têm para onde correr
Terceira: pobres e ricos estão ABSOLUTAMENTE no mesmo barco?
Quarta: será que não tinha um jeito mais justo, do universo estabelecer a tal igualdade social? Afinal se é igualdade, é para TODOS, e nem todos no nosso país vão para unidades de saúde qualificadas, quando sentem os primeiros sintomas de corona.

Estas perguntas que me fazem ver como o ser humano olha somente para sua realidade elitista e privilegiada. Sim! Mesmo em tempos de corona, pessoas com mais condições têm mais chances de continuarem vivas. Não estou desmerecendo a dor de ninguém neste momento, mas temos que reconhecer esta realidade, ainda mais em um país tão desigual como o nosso! Podemos tirar um exemplo, deste mesmo vídeo em que Jana fala sobre tal post, uma seguidora do canal comentou sobre uma notícia, que é bastante simbólica: "Os dois primeiros mortos no Estado do Rio eram empregados de pessoas que vieram da Itália". É fato que se há empregados, consequentemente possui um poder aquisitivo considerado alto (ou no máximo suficiente para se viver estavelmente). Então, os mesmos empregadores que vieram da Itália, por mais que tenham ficado tristes e em luto pela morte dos empregados, continuam seguindo sua vida na luta contra o vírus; e não estou dizendo que deveriam parar suas vidas ou sua luta contra a doença, pela morte dos dois, só quero que os leitores que chegaram até aqui, façam um exercício de reflexão, e além de verem essa morte como mais uma dentre tantas outras, vissem também a notícia como algo metafórico, sobre como a desigualdade pode matar, nos tornar seletivos, dando-nos mais ou menos ferramentas para continuarmos nos prevenindo. É claro que mesmo se fôssemos TODOS estáveis economicamente, ainda assim vários de nós iriam morrer, mas acontece que vivemos em um Brasil desigual, e são duas coisas que nos matam: agora é também o corona, mas sempre foi a desigualdade.